Como impulsionar a economia local em contexto de crise?

 *Por Sergio Andrade

Em 2018, 48% dos municípios brasileiros acusaram insuficiência financeira para cumprimento das obrigações fiscais, entre elas a folha de pagamento, como destaca o mais recente anuário da Frente Nacional de Prefeitos. E, embora, a receita corrente municipal tenha aumentado em média 4,7% em comparação com o ano anterior, o volume de recursos ainda é praticamente o mesmo que o registrado em 2014. Porém, agora a situação social é outra. Com a crise persistente que contabiliza 11,6 milhões de desempregados, segundo o IBGE, muitos buscam nos serviços públicos alternativas para compensar ausência ou perdas de ganhos antes destinados a serviços essenciais como saúde, educação e transporte. Neste contexto, em que grande parte dos gestores públicos está preocupada com geração de renda, alternativas de emprego e com o financiamento dos serviços públicos, dinamizar a economia local é essencial. Essa função de dinamização, normalmente, é desempenhada por uma área específica nos municípios. Com frequência, esta área, uma secretaria, diretoria ou coordenação, recorre a um repertório bem conhecido de instrumentos para atrair empresas de seu interesse para aquela região, tais como incentivos fiscais, doação de terrenos e facilidades de infraestrutura, como terraplanagem e eletrificação. 

Tais mecanismos, contudo, não são suficientes para promover o dinamismo econômico local que demanda a articulação de políticas públicas em diversas áreas como educação, infraestrutura, além de estímulos microeconômicos, como acesso ao crédito, compras públicas e simplificação de procedimentos e, por fim, o desenvolvimento de uma cultura empreendedora. A combinação e coordenação de esforços entre setores da administração e a qualidade da relação com os agentes privados, construindo uma visão de longo prazo e as condições para a realização de investimentos, serão determinantes para alcançar o tão almejado dinamismo econômico. Como é possível notar, é preciso utilizar um cardápio muito mais amplo de medidas para estimular o desenvolvimento econômico. E mais… é possível encontrar alternativas eficazes mesmo nos contextos mais adversos, como ilustra o exemplo de Canaã dos Carajás, cidade paraense onde a Agenda Pública desenvolveu recentemente um projeto de dinamismo econômico.

O município no sudeste do estado – que foi beneficiado por um grande projeto de mineração da Vale, o complexo S11D – fica muito distante dos maiores mercados consumidores da região, como Belém, Palmas e São Luís, e enfrenta sérios problemas de infraestrutura logística. É comum observar em municípios que recebem projetos de tamanha magnitude, que eles se tornam altamente dependentes da mineração, que passa a ser uma das únicas atividades geradoras de tributos e empregos. Não foi o caso de Canaã dos Carajás.

Nesse contexto, a Agenda Pública recebeu um grande desafio da Fundação Vale, responsável pela iniciativa: oferecer apoio à criação de um distrito industrial no município. Trata-se de uma iniciativa complexa, na qual estão envolvidos grandes riscos, uma vez que, além da existência de demanda para produtos e serviços a serem produzidos ali, fatores como facilidade de acesso a mercados, integração a cadeias produtivas regional, nacional ou internacional, além de questões como falta de infraestrutura, custo da energia, capital humano e a precariedade do ambiente de negócios local ameaçavam o sucesso do empreendimento.

Nosso trabalho, então, foi realizar um diagnóstico aprofundado e qualificar as demandas do município. A partir daí, por meio de uma metodologia de solução de problemas complexos, articulamos todos aqueles que formavam parte do problema e da solução, inclusive os opositores e, juntos, identificamos quatro estratégias essenciais para fazer a economia local girar. Participaram desse trabalho diferentes grupos de funcionários da administração pública, além de distintos agentes econômicos. Reunidos no que denominamos “solutionlabs”.

A primeira dessas estratégias foi a criação de um polo empresarial atrelado à cadeia de valor da mineração e uma segunda área específica para pequenas e médias empresas (PMEs), ambas, estabelecidas aplicando mecanismos de governança e gestão semelhantes às de um condomínio. Isto é, o condomínio definiu como o polo funcionaria, como seriam distribuídos os lotes e quais seriam os critérios de ocupação e de acesso a crédito oriundo de um fundo de desenvolvimento criado para estimular a atividade econômica no município com foco em PMEs.  Seguindo as diretrizes do plano diretor do município, que previa a concentração de atividades causadoras de poluição em uma área específica, privilegiaram-se pequenas e médias empresas de marcenaria e funilaria, o que gerou ainda mais eficiência para o cluster moveleiro.

 Outra estratégia foi a criação de um polo educacional com o objetivo de formar profissionais com capacidades específicas para as atividades desenvolvidas no sudeste do Pará. O polo educacional envolveu a criação de um Departamento de Educação Profissional, Tecnológica e Superior e convênios foram firmados com instituições educacionais do estado como o Instituto Federal do Pará (IFPA) e a Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA).

Também apoiamos a construção do Pacto por Canaã, um acordo entre empresários, sociedade civil e poder público para aprimorar a infraestrutura da cidade, incluindo melhoria das rodovias de acesso ao município e mobilidade urbana, medidas para simplificação de procedimentos administrativos, facilitando a abertura e o funcionamento das empresas, além de campanhas de estímulo ao comércio e aos serviços locais.

A última estratégia foi o Procampo, que teve o objetivo de fortalecer cadeias produtivas dos pequenos e médios agricultores da região, ampliando a produtividade e o acesso a mercados. Houve uma avaliação de como a produção local de alimentos, como mandioca, açaí, cupuaçu, milho, feijão e peixe, poderia atender às demandas do mercado regional e também um incentivo para compras públicas da produção local para merenda escolar e hospitais, além de ações de capacitação e suporte para agricultores.

Esse conjunto de estratégias e a implantação das ações decorrentes delas foram resultado da articulação de atores importantes na execução de políticas públicas e conquistou resultados impressionantes, reconhecidos pela sociedade, pela prefeitura, empresários e definido como case de sucesso entre as ações da Fundação Vale.

Porém, o trabalho não para.  Novas ações estão em andamento, sendo acompanhadas por grupos de trabalho envolvendo empresas, governo e sociedade civil, além de modelo de governança ágil, focado em solução de problemas e em ações de impacto rápido. Esse modelo tem garantido correções de rumo, entregas mais efetivas e tem sido fundamental para que os projetos saiam do papel.

 Com o modelo adotado, os instrumentos de desenvolvimento deixam de estar confinados em caixinhas da administração pública, sob responsabilidade de uma única pasta. As soluções e sua implementação são compartilhadas por todas as áreas do governo e também pelos agentes privados e da sociedade civil, dando transparência e construindo a confiança necessária para que o desenvolvimento aconteça de forma inclusiva.  Iniciativas semelhantes têm sido desenvolvidas pela Agenda Pública também em Minas Gerais e em Goiás, demonstrando que é possível encontrar soluções viáveis no tortuoso caminho do desenvolvimento brasileiro. É desse “protagonismo coletivo” que o país precisa.

*Sergio Andrade é diretor-executivo da Agenda Pública (www.agendapublica.org.br) especialista no aprimoramento de serviços públicos. Mestre em Gestão e Políticas Públicas (FGV/EAESP), cientista social pela USP, especialista em Negociações Internacionais pela UNESP. Tem mais de 15 anos de experiência na área governamental e no setor privado, com trabalhos para diversos órgãos Federais, Estaduais e Municipais. Recebeu prêmios de empreendedorismo social como Empreendedor Social Folha de São Paulo e do Fórum Econômico Mundial

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