A grande aposta eleitoral de 2020

*Por Sergio Andrade

 

Cerca de 210 milhões de brasileiros, de algum modo, experimentam todos os dias a realidade de serviços públicos de saúde, educação, segurança, mobilidade e justiça, da vacina ao voto. Das maiores controvérsias que possam pairar no debate político envolvendo desempenho, custo e responsabilidade do Estado em alguma esfera, há um ponto onde o brasileiro é muito claro em sua exigência: serviços públicos de qualidade. Diferentes pesquisas¹, inclusive aquelas divulgadas em períodos eleitorais, mostram um vasto campo de concordâncias. Das históricas reivindicações por escolas e hospitais padrão FIFA aos pedidos por maior rapidez em registros e certidões, entre o “Estado que cuida” e o “Estado que fiscaliza”, o cidadão brasileiro fica mesmo com o pragmatismo do Estado necessário. 

Tal convergência em torno desta agenda de qualidade dos serviços públicos é profundamente favorecida em períodos de eleição municipal, quando debates mais abrangentes sobre os rumos do país cedem lugar, na maioria dos casos, à discussões sobre experiências da vida cotidiana. O cidadão está diante de uma relação muito direta envolvendo oferta, acesso e qualidade de serviços públicos. O momento é oportuno para pautar uma agenda realista e concreta: todos queremos serviços públicos de qualidade, mas esbarramos em descontentamentos comuns. 

Estudo do BID, publicado no final de 2018, concluiu que a principal queixa dos usuários está relacionada às  barreiras de acesso à informação envolvendo perguntas simples, entre elas: quanto custa o serviço? Onde é possível acessar o serviço? Quais são os passos? – e às exigências em procedimentos administrativos. Deslocamentos para obter ou entregar documentação, muitas vezes, já em mãos da administração pública, aparecem em segundo entre as reclamações, seguidos pelo atendimento público realizado por “funcionários desmotivados”.  Cabe ressaltar, no entanto, que soluções para tais descontentamentos não envolvem necessariamente um alto custo. É a geração dos serviços públicos mais inteligentes (com base em dados e evidências), simples (mais ágeis e com baixo custo) e humanos (com foco nos problemas dos cidadãos).

A experiência da cidade de Santos, no litoral de São Paulo, ilustra que a tecnologia é um dos importantes vetores de transformação nesta direção, tornando o serviço digital mais rápido e barato se comparado ao atendimento físico, o que compensaria o investimento. Em 2006 a Secretaria de Educação desenvolveu o Sistema Integrado de Gestão Escolar (SIGES) para o cadastro de alunos da rede municipal em banco de dados. Foi alcançado, assim, o fim do déficit em creches municipais e mapeada com precisão a evasão escolar. Criou, também, o Sistema Integrado de Atendimento Social (SIAS), que conecta o banco de dados das secretarias de Assistência Social, Cultura, Educação, Esportes e Saúde, o que possibilitou eficiência na alocação de recursos nas respectivas áreas. Já o Sistema Integrado de Saúde e Administração de Materiais passou a permitir o agendamento eletrônico de exames e consultas médicas e controle de estoques de materiais e medicamentos.

O município alcançou o 7º lugar no Índice Brasil de Cidades Digitais. Em números, o governo eletrônico de Santos já poupou 1,5 milhão de folhas de papel, reduziu em 80% o tempo médio de solução dos processos, gerou uma economia de R$ 670 mil por ano com material, logística e pessoal e R$ 12 milhões em despesas com publicidade, limpeza, prestação de serviços, entre outras.

Referências de literatura especializada endossam que boa parte das políticas públicas falham por problemas na sua implementação, ou seja, muitos gargalos não estão apenas no desenho mas na execução. Nesse sentido, é essencial garantir sistemas de governança mais ágeis e integrados com capacidade de processar conflitos e lidar com incertezas, além de boa coordenação e cooperação dentro das equipes e entre as diferentes agências encarregadas de resolver o problema . 

Mas as oportunidades reais de avanço não param por aí. Serviços humanizados e com a “cara” do usuário são elementos centrais do Código de Defesa do Usuário do Serviço Público (13.460/2017) que dá relevante papel às ouvidorias para avaliar desempenho real e também percepções, além de oferecer outros instrumentos para qualificar a participação social, como as cartas de serviço e os conselhos de usuários. 

Entregar serviços públicos com mais qualidade é uma promessa que pode ser honrada sem afetar as contas públicas, necessariamente. Um caminho promissor é combinar mecanismos de coordenação, capacitação de equipes, organização de processos, digitalização e maior foco nas necessidades dos usuários, gerando soluções locais adaptadas ao contexto de cada serviço. Assim, mostra-se uma evidente alternativa para atender ao eleitor nessa eleição sem prometer terrenos na lua.

¹ A série de pesquisas divulgadas pela Oxfam/Datafolha relacionando desigualdade e acesso a serviços mostrou, por exemplo, que 73% dos entrevistados defendem universalidade para atendimento em postos de saúde e hospitais e nada menos que 75% apoiam a universalidade do ensino público fundamental e médio.

* Sergio Andrade

Mestre em Gestão e Políticas Públicas pela FGV, cientista social pela USP e diretor-executivo da Agenda Pública.

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